Foi necessário muita luta, coragem e união feminina para que, hoje, a mulher possa dizer, livremente: Lugar de mulher é onde ela quiser. Mas, apesar das conquistas alcançadas nos últimos anos no que diz respeito à igualdade de gênero, ainda é preciso combater o preconceito e a desinformação, os principais responsáveis por impedirem que a mulher alcance, efetivamente, todos os lugares desejados, com direito de voz e liberdade garantidos em todos os campos, com destaque para o profissional.
Para determinadas áreas do mercado de trabalho, pode até parecer absurdo, nos dias atuais, pensar em possíveis barreiras encontradas pelas mulheres para atuarem com liberdade. Porém, há profissões para as quais os obstáculos permanecem, refletidos em estereótipos, dificuldades e, principalmente, em preconceito. Para as mulheres que escolheram ser motoristas de caminhão, combatê-los é tarefa diária.
Entender a realidade das mulheres nas estradas fica bem mais fácil ao observar os números, que falam por si. A pesquisa “Perfil dos Caminhoneiros” de 2019, produzida anualmente pela Confederação Nacional de Transporte (CNT), levantou dados mostrando que, do total de profissionais consultados, apenas 0,5% são mulheres. Não há maneira mais clara de expor a diferença existente.
Mas como é ser uma mulher motorista num espaço 99,5% masculino? Quais as motivações e o caminho percorrido para conseguir atuar na profissão?
Conheça algumas dessas respostas por meio da experiência de quem sente na pele: uma mulher que descobriu o amor pelas estradas e não desanimou para alcançar seu objetivo, independente das dificuldades.
Os motivos
Como a atuação de mulheres na profissão não é tão comum, geralmente é por meio do contato direto com os caminhões e a vida de caminhoneiro que a paixão pela área é descoberta, através de familiares ou pessoas próximas. Com Cleunice de Souza, que atua profissionalmente na área há 6 anos, não foi diferente. “Eu escolhi ser motorista de caminhão por influência do meu pai e do meu irmão, que eram caminhoneiros, sempre me levavam e me ajudaram a aprender a dirigir. Com o tempo, eu descobri o gosto pela profissão”, relembra.
Ainda que a predominância masculina na área que Cleunice se identificou fosse facilmente enxergada, ela não foi suficiente para fazer com que abandonasse seus objetivos. Para isso, foi – e continua sendo – necessário vencer desafios que não existem somente no início da carreira, mas durante toda a sua rotina profissional.
Os desafios
Como é de se esperar, diante de um ambiente quase 100% homogêneo, a diferença gera estranhamento entre os colegas. Porém, Cleunice afirma que ele pode ir além, quando resulta em desconfiança na profissional do sexo feminino. “A gente chega nos postos de gasolina e ainda olham pra gente com olhar de desconfiança, muitas vezes. Por isso, os maiores desafios são adquirir o respeito e buscar nosso espaço”, aponta. Essa é uma carga que se acrescenta aos desafios comuns da profissão, como o medo diante da insegurança e da violência nas estradas.
A motorista lembra, ainda, outras situações comuns no dia a dia em que podem haver desconfortos, como por exemplo ao se dirigir a um superior para relatar um problema no veículo e ser desacreditada, sendo necessário pedir a análise de um outro motorista (homem) para conferir que o caminhão está mesmo com aquele problema já identificado anteriormente. Constrangimentos os quais a mulher precisa saber ultrapassar para atuar com autonomia em seu espaço, adquirindo o devido respeito e confiança na profissão.
O preconceito
O fato de optar por um cargo considerado do universo masculino também pode ser motivo de preconceito, não somente dentre motoristas. Por conta do que vivencia diariamente, Cleunice considera que “muitas vezes ele está guardado, mas o preconceito existe, sim, e é por isso que ser motorista de caminhão não é fácil”.
A caminhoneira também lembra que, em determinados casos, é parabenizada por sua profissão, principalmente por ser considerada perigosa, e que a reação mais comum é a surpresa, reconhecendo que, felizmente, também recebe apoio e pode contar com a parceria de várias pessoas para se sentir segura e feliz em sua carreira.
O valor da mulher
Além de representar a força da mulher e seu real potencial de atuar em áreas consideradas masculinas, a presença feminina na profissão de motorista de caminhão é um passo para que, com o tempo, as dificuldades possam ser substituídas por uma maior integração de toda mulher que deseje adentrar nesse ambiente, livre de preconceitos e sem entraves para crescer na carreira. Esse é o voto de quem já está na caminhada faz tempo. “Meu desejo é que a cada dia que passarmos pela estrada, possamos mostrar nosso valor e provar para a sociedade que o ser humano, independente de ser homem ou mulher, é capaz”, afirma Cleunice.
O exemplo já está sendo dado, por meio das corajosas e capazes mulheres que superam o que for preciso para construírem a vida que desejam – segundo dados do Detran, em 2015, haviam 176 mil mulheres habilitadas para a direção de caminhões no Brasil. O segredo, segundo Cleunice, é simples: “Quando você faz aquilo que ama, consegue ter jogo de cintura e se sair bem”. A ela e a todas as outras, todo o reconhecimento por fazerem de suas vidas uma luta constante pela maior representatividade feminina. Parabéns!